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Uma noite no Tuju

  • Foto do escritor: Stephanie Ramos
    Stephanie Ramos
  • 11 de out. de 2018
  • 5 min de leitura

Atualizado: 20 de nov. de 2018


Ivan Ralston chega em passos apressados para me cumprimentar dentro do próprio restaurante. São seis da tarde de uma quinta-feira, e falta uma hora para o Tuju, um dos três restaurantes agraciados com duas estrelas Michelin no Brasil abrir.


Ele atravessa o salão vestindo uma camisa branca simples, calça jeans e o celular, que não sai de sua mão. No estilo simpático mas reservado, abre um sorriso tímido enquanto se apresenta.

Percorremos o Tuju, até que eu posiciono o chef sob a luz do bar. Enquanto me preparo, os funcionários estão a todo vapor. No bar, um funcionário está espremendo laranjas enquanto outro usa um enorme serrote para cortar gelo. Há um homem com um ferro de passar roupa, alisando sua dolma, aquela roupa branca característica dos chefs, enquanto uma mulher passa o rodo no chão e na cozinha um moço corta hortaliças.


O Tuju foi aberto em 2014, mais de uma década depois de Ralston estar morando fora do país, onde trabalhou na Europa (incluindo o restaurante espanhol Mugaritz, que sempre ocupa posições privilegiadas nas listas de melhores restaurantes do mundo) e no Japão. O chef me conta que o processo de abrir o restaurante foi difícil, porque realizar este feito no Brasil é um trabalho duro, mas que foi de muito aprendizado.


ivan ralston tuju
Ivan Ralston, chef do Restaurante Tuju, que possui duas estrelas do Guia Michelin (Créditos: Bruno Geraldi/Divulgação)

Seu restaurante é o “caçula” entre os estabelecimentos que também dividem as duas estrelas do Guia Michelin RJ&SP – o carioca Felipe Bronze criou seu restaurante Oro há oito anos, e Alex Atala provou por às vezes o topo é solitário, durante os três anos em que o D.O.M (que existe há 19 anos) foi o único restaurante brasileiro com duas estrelas - lembrando que a pontuação máxima é de três estrelas, feito nunca atingido por nenhum restaurante brasileiro.


O nome Tuju vem da ave, que lembra uma coruja, muito comum na Mata Atlântica e na Serra do Mar. O local só trabalha com menu-degustação (R$190, com cinco etapas e R$390, treze etapas – e vinhos cobrados a parte), que é sazonal. “Os menus trocam mensalmente, e isso faz com que estejamos trabalhando sempre três meses adiantados. Enquanto estamos servindo um menu, estamos desenvolvendo o seguinte”, conta Ralston.


O chef está criando no segundo andar do seu restaurante uma cozinha de pesquisa, que será dedicada para criar pratos criativos. “Estou justamente construindo essa cozinha de criatividade para não depender tanto mais de tendência, para desenvolvermos um trabalho com mais personalidade” diz, e acrescenta que o Tuju é um restaurante que segue muitas tendências, mas espera que esse espaço possa ajuda-los a desenvolver melhor o estilo próprio em breve.


E como um grande chef cria seus pratos? “Depende muito”, me conta o cozinheiro, “As maneiras de criar pratos podem ser através do produto, de uma técnica, ou de uma história. Existem vários caminhos possíveis, ou podemos continuar um prato de outro cozinheiro, um prato que já existe, incrementar ele com o nosso toque”.



Ivan Ralston vem uma família que tem forte relação com comida. Os pais em 1975 abriram a primeira unidade do Viena, que até então era um negócio pequeno, localizado no Conjunto Nacional. Hoje, aos 33 anos, é acionista nos negócios da família, que incluem 12 unidades do Ráscal (Sendo 9 unidades em São Paulo e 3 no Rio), que atendem 200.000 pessoas por mês e 3 do Cortés (duas unidades em São Paulo e uma no Rio).


Mesmo assim, confessa que relutou contra seguir carreira na área gastronômica, “Até por conhecer esse meio, saber como é duro, como meu pai trabalhava muito, eu pensava em fazer outra coisa da vida, mas no final, acabou que terminei aqui também”, diz entre risos baixinhos. Chegou a estudar um pouco de música em Boston, na Berklee College, mas aos 19 anos começou a comandar os fogões.


No Brasil, chegou a ser estagiário de Helena Rizzo, quando trabalhou no Maní e me conta a história do dia em que cozinhou para o chef espanhol Ferran Adriá. “É engraçado porque eu era estagiário, fui promovido e isso aconteceu no primeiro dia de trabalho como funcionário, então eu estava bem nervoso”, conta sorrindo com os olhos com ar de lembrança. Mas logo depois já completa, dizendo que no fundo não importa quem seja, “Você tem que dar o melhor sempre, fazer direito sempre”.


tuju cozinha
Cozinha aberta do Tuju (Créditos: Reprodução/Gastrolândia)

Lembrando de seus primeiros anos na cozinha, reconhece que o início é o período mais duro. “Mas acho que a gastronomia tem essa particularidade que sempre é um pouco duro, nunca é tranquilo. Todo mundo que trabalha aqui chega bem cansado no fim de semana, são muitas horas. Por isso que muita gente desiste também de gastronomia”, diz.


Nos fundos do restaurante ficam grandes suportes retangulares com rodinhas, em que são plantados boa parte dos ingredientes que vão parar nos pratos. Tudo começou como uma tentativa de driblar a escassez de alguns ingredientes necessários, que nem sempre os fornecedores tinham. Com o tempo o acervo foi melhorando, e hoje eles continuam plantando parte das folhagens e frutas, o que também ajuda a baratear os custos.


Durante a nossa conversa, o termo “gastronomia paulistana” é citado várias vezes com uma preocupação de que o mesmo seja honrado no cardápio do Tuju. E o que seria essa tal de gastronomia paulistana? O chef diz que entende o termo como uma cozinha de encontros, que represente a nossa cidade multicultural e industrial. Também conta que atingiu o resultado em um prato do menu atual cujo resultado lhe deixou muito contente: a burrata de baunilha do cerrado com morangos, broto de samambaia e azeite de oliva. “Este prato pega a burrata, que veio através da cultural italiana, por outro lado ela leva um ingrediente brasileiro, que é a baunilha do cerrado. Ela usa morango também, que é uma fruta que veio da Europa, vai broto de samambaia que normalmente é consumido pelos coreanos, e azeite de oliva, que usamos um que vem da Serra da Mantiqueira. São Paulo é um pouco hoje em dia o que Veneza era no renascentismo, um lugar onde chega tudo e bem multicultural e isso se traduz através do prato também. Não só os ingredientes como o conceito também”, explica.



O chef durante a entrevista é calmo, fala pouco e pausado e não parece muito deslumbrado com os prêmios ganhos. Quando pergunto como foi ter ganho as estrelas Michelin, não parece impressionado mas também não se gaba do feito, apenas diz que foi muito bom porque ajudou bastante o restaurante com movimento – não que estivesse ruim antes, ele completa.


Quando pergunto de planos para o futuro, ele fica pensativo e diz que quer abrir muitas coisas, mas que ainda não teve a oportunidade. Entre as ambições estão uma sorveteria e um restaurante mais casual, “Tenho vários desejos e pretendo realiza-los no futuro”, conta.


Quando a entrevista termina ele já volta para o celular quase que automaticamente, mas a minha visita ainda não acabou. As onze mesas da casa estão sendo arrumadas, porque tudo que pode ser adiantado, assim é.


Na cozinha um dos sub-chefs me conta que acabou de ser efetivado. Dobra papéis toalha infinitamente e quando eu pergunto o por quê, me dá uma risada com o canto da boca dizendo que na hora que o expediente começa, não vai sobrar tempo para isso.


O bartander que continua cerrando um bloco enorme de gelo incessantemente, me conta que as pessoas inventam muitas histórias de como fazer o gelo cristalino. Ele trabalhou com Spencer Amereno no Isola Bar, e conta que o gelo do Tuju congela lentamente um centímetro por dia em uma temperatura de dez graus negativos. Quando são cortados em pequenos cubinhos transparentes, vão parar no copo dos que pedem drinks como Negroni ou Old Fashioned.


tuju restaurante vila madalena
(Créditos: Reprodução/Gastrolândia)

Nas paredes, há quadros que fazem referência ao livro de Lewis Carroll, “Alice no País das Maravilhas”, e nas paredes do fundo, foi desenhado um boi com um “mapa” que aponta que parte do seu corpo corresponde a uma carne específica. O pássaro que dá nome ao local aparece na capa do cardápio e Ivan Ralston voa cada vez mais alto.

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